quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

How dare you?


O texto que segue é extremamente pessoal, e não, ao mesmo tempo. Sobre uma experiência minha, amplificada em palavras, que eu espero que vocês gostem. É sobre alguém confrontando seu passado, suas ideias de futuro, e tudo que está escrito aí. Foi pensado ao fim de uma noite de vodka com amigos e escrito ao som do CD Transa do Caetano Veloso, ou seja, pra mim foi muito bom.
How dare you?
Batidas à porta. Desço o livro que estou lendo, pauso a música que escuto, dispenso a mulher que me beija e atendo.
Parada ali, você.
Como você ousa? Como ousa aparecer quando já na esquina da memória nossa história se tornava enevoada, plácida lembrança como tarde de primavera a beira do rio. Como pode trazer a tona tudo aquilo que com a paciência de um monge budista fui cuidadosamente apagando? Cada memória que passei alguns anos meticulosamente esquecendo?
Se na condição de lembrança eu cultivava a ilusão de que sempre que nos encontrássemos – SE nos encontrássemos – seríamos sempre um garoto de 14 e uma menina de 15 vivendo a perene ilusão da infinitude, o sonho, a nossa Pasárgada particular. Agora vejo que 10 anos lhe passaram, e vejo seu corpo marcado e usado contrastando com o meu, usado e marcado. Você me vem como o tapa na cara, como o grito visceral alertando que o tempo não parou. Nem para mim nem para você. Tampouco para você. Muito menos para mim.
É a nostalgia de tudo aquilo que não vivemos.
E de repente você aparece, de maneira como se na verdade ainda fosse você uma menina de 15 e eu um cara de 14, e relembramos o passado, e preenchemos o passado-futuro – essa lacuna, o grande ponto de interrogação que havia acerca um do outro, do tempo que um dia chamamos de futuro e que desandou, e que agora é passado.
Agora...
Agora o que vejo é uma mulher, a incongruência total do ideal com o real, o anti-sonho daquele garoto de 14 anos – porque, estranhamente, assim como você não é aquela, eu não sou aquele. Começa então a torrente de pensamentos, de emoções, de tudo aquilo que foi reprimido nesses 10 anos, tal qual rachadura num dique. Como teria sido? Como de fato foi? Começo a me projetar nas histórias, me imaginar nas fotos.
E o que mais me incomoda, o que mais me avilta é saber, perceber, aceitar que alguma coisa continua igual. Afinal a empatia emerge como numa cápsula atemporal, como uma frágil jangada nesse mar revolto que é o devir. Não vou dizer que me sinto como aquele distante garoto de 14 anos. Mas a indiferença é o último dos sentimentos – a indiferença é um não-sentimento, diga-se de passagem – que passam pela minha cabeça agora, então...
Seja bem-vinda. Mas deixe a porta aberta.

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Foi bom pra você?

Um comentário:

  1. Uma ótima maneira de mesclar a erudição teórica que a História lhe proporcionou com a própria afinidade poética que desmonstra desde que o conheci. Parabéns Caio. Abraços de um blogueiro e escritor, também amador.

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